terça-feira, 25 de março de 2008

O que está acontecendo com o Ginga-J?

Eu já estou cansado de falar dos vários problemas de condução do projeto do Ginga-J (vide aqui, aqui e aqui). Este post é inspirado pelo questionamento feito pelo meu amigo Bruno Ghisi, o Joca, no blog dele e ajudado ainda por esta, esta e esta notícia, entre outras.

Deu a louca na imprensa e algumas decidiram questionar o que está acontecendo - como o Joca - ou simplesmente constataram que algo está fedendo. A fonte mais completa diz o seguinte:

"Blocos de software que fazem parte do Ginga, sistema de interatividade criado por pesquisadores locais, podem exigir pagamento de royalties para a empresa americana Via Licensing. Ela é dona de patentes do MHP, software de interatividade europeu, e do OCAP, americano, com os quais o Ginga é compatível."

...

"Na Europa, os fabricantes precisam pagar US$ 1,75 por equipamento vendido à Via Licensing, e cada emissora US$ 100 mil, para oferecer interatividade para 2,5 milhões de espectadores ou mais. 'Os radiodifusores na Itália estão furiosos, porque o pagamento não era previsto quando adotaram a tecnologia', disse Castro. No fim do ano passado, quando a TV digital estreou no Brasil, os pesquisadores que criaram o Ginga diziam que a tecnologia estava pronta, enquanto a indústria falava que não. 'Existe muito ruído', disse o professor Guido Lemos, da Universidade Federal da Paraíba, que liderou os trabalhos do Ginga-J, parte do sistema que usa o GEM."
Eu dei uma vasculhada pra descobrir quem é essa tal de Via Licensing. É uma empresa especializada em criar patentes relacionadas a softwares e tecnologia. O trabalho deles é atrapalhar a vida de quem quer fazer uso das tecnologias de multimídia - e queira ou não é um trabalho legítimo. A lei está do lado deles e alguém deve ter gasto bastante dinheiro e muito fosfato pra criar essas tecnologias, achando assim que tem o direito de receber pelo uso de tudo o que criaram.

Bom, eles detêm nada mais nada menos que as patentes de uso dos padrões MPEG-2 AAC (Advanced Audio Coding - um dos sistemas de codificação de áudio definido no padrão MPEG-2 - é utilizado no antigo modelo Japonês de TV Digital, o ISDB-T), MPEG-4 AAC e MPEG-4 HE AAC (o mesmo que o anterior, mas definido no mais evoluído padrão MPEG-4, que é utilizado pelo ISDTV - o modelo nipo-brasileiro), toda a especificação do OCAP (o middleware do modelo americano de TVD) e mais alguns outros padrões.

Pois bem, suponho o seguinte: o pessoal da Paraíba, na pressão de terminar o projeto a tempo e com os parcos recursos disponíveis, fizeram o uso das ferramentas que tinham em mãos para implementar a primeira versão do middleware num prazo recorde de 10 meses. Entre essas ferramentas estaria o JMF (Java Media Framework) - conforme o artigo escrito pelo próprio prof. Guido Lemos, o cabeça da equipe da Paraíba. O JMF, por sua vez, deve utilizar código protegido pelas tais patentes da Via Licensing. Talvez por isso o Forum SBTVD tenha recorrido diretamente a Sun Microsystems para fazer uma implementação open-source, uma vez que o JMF foi criado e ainda é mantido pela empresa.

É possível que algumas outras bibliotecas tenham problemas de patentes. Talvez não seja o JMF a parte com problemas. Nada oficial foi divulgado sobre o assunto. Mas creio que os problemas não estão muito longe do citado acima.

E toda essa explicação ainda não resolvem algumas das questões levantadas pelo Bruno em seu blog. Eis as respostas que eu daria para os questionamentos dele:

1. how can you drive an open source project without clearity? (Como pode um projeto open source não ser gerenciado com clareza).

Bom, até agora o Ginga-J não foi aberto pra ninguém. Já escrevi algumas vezes sobre isso, como indiquei acima. Acho que ainda não foi aberto por motivos comerciais ou por medo de gerar uma decepção acadêmica no caso de não terem conseguido terminar em tempo hábil a implementação do middleware.

Se a segunda opção fosse o motivo da não liberação, é válido dizer que não considero incompetência. O projeto do middleware é de uma complexidade enorme e é bem grande a chance de vários problemas terem impossibilitado o desenvolvimento do projeto no prazo estipulado pelo governo.

Mas a hipótese de aproveitamento comercial da pesquisa financiada com os recursos públicos é bastante forte e fundamentada conforme explica esta notícia do site do Estadão.
"... Ex-alunos do professor Guido Lemos, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), formaram uma empresa, chamada Mopa Embedded Systems, para transformar o Ginga em produto. O software foi desenvolvido por equipes na UFPB e na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).
...
A previsão é que a primeira versão completa do software fique pronta este mês. 'Em dezembro, deveremos ter quatro ou cinco fabricantes com o Ginga', disse Lemos. A Mopa tem 40 pessoas, divididas entre João Pessoa e Natal. 'É um time que trabalha com o middleware há vários anos, com um custo de produção que disputa com os chineses e está abaixo do dos indianos.'"
Nem foi a público o produzido na UFPB e já tem empresas trabalhando em cima do código!!! E o pior é que essa notícia é de setembro de 2007!!

Se for confirmado esse aproveitamento comercial, estaria aí um belo exemplo de mau uso dos recursos públicos em prol de interesses privados. Por isso eu tenho exigido a tanto tempo a abertura do código do Ginga-J, estando ele completo ou incompleto. Pelo menos assim seria de domínio público e sua correção poderia inclusive ser agilizada se mais pessoas pudessem trabalhar no projeto (tendo elas interesses comerciais, como a tal Mopa, ou não).

Só o que temos aberto até agora é o código do Ginga-NCL, e com um projeto exemplarmente gerenciado.

2. Where can I download all the stuff? (Onde eu posso fazer o download do código e documentação?)

Do Ginga-J, em lugar algum. Do Ginga-NCL, no Portal do Software Público Brasileiro.

3. Where is the roadmap? (Onde está o histórico do projeto?)

Do Ginga-NCL, no Portal do Software Público Brasileiro. Você pode encontrar algo também no portal do SBTVD, mantido pelo CPqD. Mas as informações são de um nível de detalhamento altíssimo e de cunho bastante acadêmico, o que acaba dificultando bastante o entendimento.

4. So, Sun published that will help Forum do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre (Forum SBTVD) to create a new plataform that will take place at Ginga. The announcement says that this platform will be compatible with Ginga, so is it a replacement for Ginga-j? How will be that? (Então, a Sun publico que irá ajudar o Forum do SBTVD a criar uma nova plataforma que irá tomar o lugar o Giga, isto significa que fação um software que irá repor o Ginga-J? Como se dará isso?)

Imagino que não farão um novo Ginga-J mas sim novas implementações para as bibliotecas proprietárias que o Ginga-J faz uso.

Bom, está mais do que na hora de acontecer exclarecimentos públicos definitivos sobre o assunto. Me sinto um palhaço com isso tudo. Meu dinheiro está em jogo. Não quero que me passem a perna. É uma pena que poucas pessoas enxerguem como as coisas estão fluindo por baixo dos panos da complexidade técnica e política envolvida no assunto.

9 comentários:

Lucas Augusto disse...

Deve-se levar em consideração, que para o middleware ser embarcado, a empresa deve comprar a licença e é a única responsável. Nenhuma das duas universidades faz a adaptação para o conversor.

Então o middleware não será tão aberto assim. Quem tiver interesse comercial deverá pagar a licença e se responsabilizar pela adaptação (embarcar) ao conversor.

Não estamos sendo lezados então. A empresa deve ter pago a licença para já ter o direito de utilizar o código para embarcar no conversor desenvolvido por ela.

Marco Mugnatto disse...

O que eu sinceramente acho é que o brasileiro tem uma péssima mania de não admitir a realidade, que é a de que o Brasil não tem competência para desenvolver software.

Anônimo disse...

Cara, concordo plenamente contigo. É ridículo estarmos falando em tal grau de interatividade (plena) e não existir nada exposto do lado do Ginga-J. O Ginga-NCL, apesar de (pelo menos no emulador) ser bastante bugado, a idéia é ir aperfeiçoando e melhorando-o. As pessoas que querem trabalhar em cima go Ginga-J ficam a ver navios. Se antes ao menos podíamos considerar usar as APIs do GEM, agora nem isso ! CARA, se precisa se pagar royalties, porque não viram isso ANTES de divulgar que seria compatível com o GEM?

Também acredito que é muita responsabilidade para a UFPB e, deveriamos ter mais acesso de outras universidades conceituadas como as federais do Rio, SP, RS e Pernambuco.

Anônimo disse...

Parem de conversar merda. No SBTVD era universidades do Brasil inteiro, e as melhores estavam lá. A chamada para o SBTVD era pública, foi feita uma seleção e as que apresentaram maiores competências ganharam a chamada. Eu participei do projeto e convivi com muita gente da UFPB, e eles erão os que mais entendiam da história. Eram os únicos que já tinham trabalhos mais sedimentados na área. Eles conduziram os trabalhos, praticamente. Ai fica um bando de otário que acha que as coisas são tão simples assim quando se envolve tanto dinheiro. Isso é um negócio de UM BILHÃO de REAIS, tem muito interesse envolvido, e não é limitação técnica que está empacando isto não. Seus autores só se atentaram para a questão de royalties do JAVA, não se atentando a outras partes da solução. Esse NCL é uma falácia. Vocês vão ver. E é um player, pra ser um middleware precisa muito. Mugnatto, sugiro que procure a cidadania americana, pra ser preconceituoso e babaca assim, lá tá cheio.

Anônimo disse...

Conheço o assunto o suficiente para afirmar:

O Governo gastou milhões em TV Digital, financiou a equipe da UFPB e NADA foi produzido. Nossa norma do Ginga-J é uma piada! Os ex-alunos montaram uma empresa com o professor e agora viraram empresarios com o meu e o seu dinheiro. Ministerio publico nestes ladroes do patrimonio publico.

Anônimo disse...

Concordo com os colegas, estou a um ano tentando trabalhar com o Ginga J e nem um simples emulador é disponibilizado. Só me resta tirar do título da minha dissertacao " compatível com o modelo brasileiro de TVD". A única coisa que consigo fazer é testar inha aplicação no Xlet view, e em um STB que da ADB que roda MHP

Marcos Henke disse...

Olá a todos.

Recebemos no FISL 10 em primeira mão o Ginga-J. Postei no meu blog minhas observações:

FISL 10: agora com Ginga-J... o novo, com Java DTV(?)


Atenciosamente,

Marcos Henke
http://b4dtv.blogspot.com
http://groups.google.com/devdtv

Anônimo disse...

A forma intempestiva como tudo foi feito, com um ministro sabidamente ligado às Organizações Globo, defendendo ferrenhamente um padrão tecnológico (ao invés de portar-se como árbitro de uma discussão) e, no contexto de uma decisão totalmente obscura, envolvendo verbas públicas para universidades sedentas e pouco preocupadas com o interesse da população menos favorecida, acordo internacional com o Japão para instalação de uma fábrica de semicondutores no país, acordo esse não referendado pelo Congresso, tudo isso às vésperas da eleição presidencial de 2006, acabou tendo todos os ingredientes necessários e suficientes para resultar no mais típico produto de uma republiqueta das bananas.
Atualmente escondido sob o rótulo de “melhor TV Digital do mundo”, que nenhum teste tecnológico pode desmentir e que todos tem que engolir, o fiasco atual da TV Digital brasileira pode, na prática, ser creditado ao fato de ter-se tornado a mais cara TV Digital do mundo. Sendo cara e ao mesmo tempo destinada à maioria da população que não pode pagar pela TV por assinatura, é mais ou menos óbvio que ela não tenha como criar um círculo econômico virtuoso, com mais gente comprando, mais gente usando, mais fábrica produzindo e o preço caindo. E sem os negócios bem sucedidos do mundo real, nada anda, nada desenvolve, tudo patina. Maior fanfarronice ainda foi a venda desse padrão para outros países subdesenvolvidos, tão ruins ou ainda piores que o Brasil, no encaminhamento dessa matéria específica. Os próximos clientes dessa TV Digital sofrível serão os africanos. Assim sendo, cria-se lentamente o ambiente propício para que possamos compartilhar amplamente o fiasco dessa TV Digital, sem ter que assumir o ônus do erro, sozinhos.
Quanto à interatividade Ginga, precocemente festejada como sendo o grande diferencial da TV brasileira, já começou a ser atropelada pelas novas funções interativas das TVs que chegam ao mercado. Através de uma porta LAN já oferecem verdadeiro acesso interativo à Internet (aquele que passa pelas demonizadas empresas de telecomunicações) e não apenas uma opção para que os radiodifusores possam ficar cativamente brincando de interatividade com o seus fiéis cordeiros noveleiros, como a princípio queriam. O mundo real da competição aqui já está dando o seu devido troco (ou truco!).
A essa altura dos acontecimento o Ginga está se transformando num insignificante upgrade dentro das memórias das novas TVs, que qualquer um faz em segundos, com um pendrive ou automaticvamente da Internet. Não é mais diferencial algum. Acabou se tornando um apêndice que as marcas de TV vão permitindo que seja instalado nos seus produtos, certamente para fazer uma média com o Governo. De utilidade mesmo esse Ginga, que deveria ser o cerne de uma política pública de apoio aos pobres, não tem absolutamente nada. E nem pode ter. Por mais que alguém queira creditar-lhe peso, falta atender a mais de 5500 cidades brasileiras com o sinal da TV digital.
Como diria o Boris, ISSO É UMA VERGONHA, um dos piores capítulos já escritos na história das comunicações do país. E tem gente que insiste chamar isso de sucesso.

Anônimo disse...

Em Agosto de 2010, o tema continua mais que atual!
A forma intempestiva como tudo foi feito, com um ministro sabidamente ligado às Organizações Globo, defendendo ferrenhamente um padrão tecnológico (ao invés de portar-se como árbitro de uma discussão) e, no contexto de uma decisão totalmente obscura, envolvendo verbas públicas para universidades sedentas e pouco preocupadas com o interesse da população menos favorecida, acordo internacional com o Japão para instalação de uma fábrica de semicondutores no país, acordo esse não referendado pelo Congresso nem implementado pelas autoridades, tudo isso às vésperas da eleição presidencial de 2006, acabou tendo todos os ingredientes necessários e suficientes para resultar no mais típico produto de uma republiqueta das bananas.
Atualmente escondido sob o rótulo de “melhor TV Digital do mundo”, que nenhum teste tecnológico pode desmentir e que todos tem que engolir, o fiasco atual da TV Digital brasileira pode, na prática, ser creditado ao fato de ter-se tornado a mais cara TV Digital do mundo. Sendo cara e ao mesmo tempo destinada à maioria da população que não pode pagar pela TV por assinatura, é mais ou menos óbvio que ela não tenha como criar um círculo econômico virtuoso, com mais gente comprando, mais gente usando, mais fábrica produzindo e o preço caindo. E sem os negócios bem sucedidos do mundo real, nada anda, nada desenvolve, tudo patina. Maior fanfarronice ainda foi a venda desse padrão para outros países subdesenvolvidos, tão ruins ou ainda piores que o Brasil, no encaminhamento dessa matéria específica. Os próximos clientes dessa TV Digital sofrível serão os africanos. Assim sendo, cria-se lentamente o ambiente propício para que possamos compartilhar amplamente o fiasco dessa TV Digital, sem ter que assumir o ônus do erro, sozinhos.
Quanto à interatividade Ginga, precocemente festejada como sendo o grande diferencial da TV brasileira, já começou a ser atropelada pelas novas funções interativas das TVs que chegam ao mercado. Através de uma porta LAN já oferecem verdadeiro acesso interativo à Internet (aquele que passa pelas demonizadas empresas de telecomunicações) e não apenas uma opção para que os radiodifusores possam ficar cativamente brincando de interatividade com o seus fiéis cordeiros noveleiros, como a princípio queriam. O mundo real da competição aqui já está dando o seu devido troco (ou truco!).
A essa altura dos acontecimento o Ginga está se transformando num insignificante upgrade dentro das memórias das novas TVs, que qualquer um faz em segundos, com um pendrive ou automaticamente da Internet. Não é mais diferencial algum. Acabou se tornando um apêndice sem custo que as marcas de TV vão permitindo que seja instalado nos seus produtos, certamente para fazer uma média com o Governo. De utilidade mesmo esse Ginga, que deveria ser o cerne de uma política pública de apoio aos pobres, não tem absolutamente nada. E nem pode ter. Por mais que alguém queira creditar-lhe peso, falta atender a mais de 5500 cidades brasileiras com o sinal da TV digital.
Como diria o Boris, ISSO É UMA VERGONHA, um dos piores capítulos já escritos na história das comunicações do país. E tem gente que insiste chamar isso de sucesso.